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Da afetividade nas empresas aos novos desenhos jurídicos na ordem familiar



Toda e qualquer relação de família envolve aspectos afetivos, sejam esses entre um homem e uma mulher, um pai e um filho, entre irmãos, dentre outros.


A família é protegida pelo Direito, porém deve cumprir o papel para que todos possam garantir a construção pessoal. O que parece claro é que os desenhos da família na atualidade trazem a possibilidade de exercício da solidariedade entre as pessoas. Dentro deste núcleo destacamos em nossos escritos as empresas familiares.


A maioria são consideradas sociedade limitada e o vínculo dos seus sócios quotistas, integram o núcleo familiar, com a afetividade entre pai e filho(s), dentre tantos outros formatos que podemos elencar nas inovações legislativas.


O afeto pode exprimir-se através do amor, da mágoa, dos ressentimentos, da decepção, do descontentamento, da felicidade, enfim, através dos sentimentos que envolvem a particularidade de cada indivíduo assim como cada um responde a determinadas situações de conflito na família. Manter o equilíbrio da gestão corporativa com a afetividade dos sócios quotistas nas empresas familiares, sempre foi e sempre será um grande desafio.


Das Sociedades Limitadas

O realce, por natureza, será abordado na estrutura das sociedades limitadas, que deverá ocorrer mediante um estudo suave sobre sua evolução histórica e sua legislação, haja vista a integração com o tema proposto e as importantes inovações no cenário jurídico brasileiro.


As necessidades naturais possuem um liame com a origem das sociedades comerciais, na obtenção de resultados econômicos comuns.


Sociedade por quotas de responsabilidade limitada foi assim denominada, no Brasil e em Portugal, surgindo inicialmente para beneficiar os pequenos e médios comerciantes na atividade econômica.


Singular desde sua idealização, a sociedade limitada, ao contrário dos outros tipos societários, foi notadamente criada pelo legislador, para que posteriormente fosse introduzida por força de lei.


A história da sociedade comercial tem seus fundamentos bem no começo da civilização, quando ainda era dividida caça e pesca, não havia contrato escrito nem regra de conduta decidida pelas partes. Mas o chefe do clã que cuidava de todos os familiares preocupava-se com a divisão justa e solidária, para que todos sobrevivessem e tivessem sua própria subsistência.


O princípio de sociabilidade é inerente ao ser humano desde os primórdios. Valores morais, éticos, religiosos têm o seu papel na formação dessas primeiras sociedades. E mesmo sem saber já se baseavam no affectio societatis, ou seja, afeto entre as pessoas que viviam em sociedade. E nada melhor que os próprios componentes da família para respeitarem as regras que eram impostas como questão de sobrevivência.


E com grande propriedade Ihering consubstancia-se “de serem mais essenciais o parentesco interno e a conexão dos fatos do que a conjugação exterior pelos laços do tempo”. As pessoas viviam juntas, pois compunham uma família só, era dever do pai, chefe único, proteger os seus contra tudo. Havia hierarquia a ser respeitada: os filhos traziam o sustento, as mulheres trabalhavam na preparação dos alimentos, mas tudo era para todos, criando, assim, um bem comum.


Outra forma de sociedade era de duração mais ou menos longa, hoje seria a empresa familiar composta pelos membros de uma família. O pai, chefe e responsável por todos, decidia e, caso viesse a falecer, o filho mais velho ocuparia seu lugar. Era duradoura e não ficava presa somente à subsistência e a decisões que precisavam ser tomadas para a manutenção daquela tribo, havendo, assim, subordinação por parte dos entes que compunham aquela tribo ou clã.

Mais tarde observou-se que caso o chefe viesse a morrer, os herdeiros teriam direito às suas copropriedades e, em vez de obedecerem a um único membro, surgiriam, assim, direitos para todos e, também, um condomínio que, por vontade unilateral, poderia extinguir-se. Esse condomínio ou também conhecido como consórcio familiar detinha fatores importantes a serem analisados: parentesco comum, contribuição econômica e consentimento tácito. A questão relativa ao parentesco comum segue a linhagem da confiança, lealdade: a França do século XVII e XVIII já trazia sociedades de pais e filhos, mães e filhas, irmãos, irmãs; a contribuição econômica não depende só de bens, mas também do trabalho envolvido; por último, o consentimento tácito, se todos silenciam é porque concordam com as decisões tomadas.


Havia incansável procura para descobrir de onde vieram as sociedades comerciais. Por mais que se relatasse a concretude dos povos primitivos, os medievais nas explorações dos mares e continentes, o povo romano foi o que mais sedimentado teve seus conhecimentos neste assunto. Explora-se aqui o universo de ensinamentos romano, francês, italiano, português e brasileiro, que até o início do século tinham legislação fraca e ultrapassada.


É certo que tudo que se aprecia hoje no direito societário veio da cultura primitiva, passando pela Idade Média, que buscava desenvolver o comércio, chegando ao direito romano, que analisava a sociedade como intuitu personae, criando, assim, caráter personalíssimo que poderia vir até a dissolver a sociedade. Havia também outros fatores que podiam levar à dissolução da sociedade, tais como a falta de responsabilidade, incapacidade e a já citada morte do sócio.


Apesar do esfacelamento do Império Romano, a sua cultura jurídica é muita rica quanto a assuntos relacionados à sociedade de pessoas. O conceito de exploração da terra e colheita dos frutos foi o que mais perdurou e que fora transplantado para códigos franceses e para quase todos os códigos considerados modernos.


Em matéria de sociedade os romanos pensaram na sua administração, sobre causas de dissolução, sobre nota de infâmia cominada à perda do processo, quando a ação judiciária proposta era uma actio pro sócio, ou seja, ação de sociedade. Até nos dias atuais ainda são utilizados.


Ainda não era possível distinguir a sociedade por quotas de responsabilidade limitada e havia controvérsia se a sua origem era britânica ou alemã. Pois em 1857, a Inglaterra regulou um tipo de sociedade e a denominou de limited by guarantee, pela qual os sócios respondiam até o montante do capital estipulado no contrato, caso essa sociedade dissolvesse.


Para finalizar o contexto histórico, Vilemor de Amaral busca fundamentar que um deputado de nome Oechelhauser já procurava maneiras de reduzir as sociedades voltadas somente para o capital e melhorar a criação de sociedades de pessoas, cuja importância seria voltada para a pessoa e toda responsabilidade seria quanto a esta ilimitada.


Em 1888, Ministro do Comércio e Indústria da Prússia[1], voltando a palavra ao Legislativo, ouviu o relato daquele deputado de como seria importante para a economia alemã atentar para uma sociedade que trouxesse em pé de igualdade trabalho humano e capital, com o que a produção se desenvolveria em passos largos.


E então, em 1981, foi enviado pelo Ministro da Justiça ao Congresso Alemão um anteprojeto inspirado nas questões trazidas pelo deputado e com algumas modificações resultou na promulgação da Lei 20 de abril de 1892 – Lei de Sociedade Limitada (gesellschaften mit beschraeenkter Haftung). Foi este o modelo que se disseminou pelo mundo, sendo adotado em primeiro lugar por Portugal, em 1901.


Traçando as Novas Formas de Família


Nestes estudos, tem-se a oportunidade de verificar profundas e sucessivas mudanças na realidade social, com suas contradições, suas ambiguidades e seus questionamentos evidentes na estrutura familiar.


A partir de novos paradigmas, a família reivindica direitos, prerrogativas e diversas obrigações que devem ser protegidas e asseguradas pelo Estado através, principalmente, da interpretação de princípios consagrados na Constituição Federal.


A evolução social atravessa os tempos e a ordem jurídica tenta acompanhar o fato social nas novas configurações da família.


O ponto de partida para uma análise epistemológica apresenta-se no “rearranjo social” e na observação da esfera privada feita pelo Direito. Esta é uma abordagem que ultrapassa o campo do normativo e requer uma perspectiva transdisciplinar, envolvendo outras ciências humanas e sociais e suas contribuições feitas para a compreensão das transformações ocorridas na cultura do mundo moderno.


As alterações no tecido social do Brasil foram impulsionadas por fatos históricos e pressionadas por vários acontecimentos: duas décadas de ditadura, a profunda liberação dos costumes, o declínio do poder religioso e seu posterior crescimento, o progresso da ciência e tecnologia, o controle genético, as aberrantes diferenças sociais, o incremento dos meios de comunicação e, como pano de fundo, um sistema econômico instável, sempre com sucessivas crises. A visão panorâmica dos acontecimentos no último século permite que se faça uma avaliação da história, demonstrando que os valores sociais repercutiram para uma nova compreensão da família.


É interessante notar que as mudanças ocorridas nos anos 60, 70 e 80 manifestaram-se através de novos valores e comportamentos que influenciaram a vida afetiva e familiar. A tão falada revolução dos costumes representou formas inéditas de relacionamentos para homens e mulheres, especialmente na classe média brasileira, em que, apesar do processo de modernização socioeconômico do país, caminhou-se na contramão da ordem política, buscando-se oportunidades para questionar as relações emocionais.


Naquele contexto, o casamento civil era considerado o supra-sumo da hipocrisia e da desigualdade de experiências eróticas entre os sexos. A contestação da moralidade sexual acontecia também nos Estados Unidos da América e na Europa, como forma de expressão de identidade política. O desejo de romper com o modelo de família socializada surge com a participação de mulheres envolvidas na luta contra o regime militar, o que influenciou diretamente na ordem familiar brasileira.


O campo religioso refletiu diretamente na vida privada, posto em que passaram a surgir novas formas de manifestação da fé e de instituições religiosas. As mais variadas religiosidades — orientais, esotéricas, arcaicas, inovadoras ou recém-inventadas — difundiram-se em escala significativa, criando e recriando um contexto ao qual foi necessário se adaptar.


Outro acontecimento que refletiu de forma evidente na família foi o avanço científico dos recursos e domínios dos meios anticoncepcionais. Uma das maiores consequências foi a liberação da mulher em relação à sua posição exclusivamente materna, permitindo o ingresso em outras formas de manifestação da sexualidade sem tantas culpas e traumas, a maior dedicação à vida profissional e o planejamento de vida sem estar obrigada ao casamento.


A divulgação da ciência pelos novos meios de comunicação trouxe a possibilidade de organização diferente da vida familiar e social. Passaram-se a vislumbrar formas de controle da natalidade, apresentando a maternidade e a paternidade como opção pessoal.


Diante da análise de alguns pontos históricos, é possível compreender que a estrutura rígida e única do modelo de família patriarcal não atende mais ao espectro da realidade social. Houve uma recomposição familiar que tentou acompanhar e adaptar a evolução social, e, aproveitando um termo bastante utilizado nos últimos anos, permite-se uma conclusão preliminar: a evolução da família é global, cabendo sempre a sua discussão. De uma forma ou de outra, o conceito de família atravessa o tempo, sempre tentando demarcar seu limite, para fins jurídicos.


A complexidade do estudo do Direito de Família moderno consiste exatamente em ter como objeto a normatização da afetividade. Toda e qualquer relação de família envolve aspectos afetivos, sejam esses entre um homem e uma mulher, um pai e um filho, entre irmãos e tantas outras que podemos elencar.


É necessário esclarecer que o afeto descrito como elemento essencial da família apresenta-se em um sentido amplo, ou seja, a afetividade na esfera familiar transparece das mais diversas formas.


Trata-se aqui de afetividade com o significado de um “conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos e paixões, acompanhados sempre da impressão de dor ou prazer, de satisfação ou insatisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou tristeza”.


Apesar das mudanças dos costumes, da cultura e do próprio ser humano, há considerações da ideia de família como “ponto de referência e central do indivíduo na sociedade”. Com isso, mesmo com intensas alterações sociais, persiste a particularidade de cada ser humano, pois não há como o público recobrir o pessoal.


Não se concebe, mesmo na modernidade, outra forma de convivência social mais sólida e necessária à segurança de cada um do que o núcleo familiar, onde se podem encontrar um porto-seguro e o refúgio maior.


Investigar a família é tratar da história da civilização, considerando a primeira como parte essencial da segunda. Seguindo as palavras de Giselda Hironaka, “a família é uma entidade histórica, ancestral como a história, mutável na exata medida em que mudam as estruturas e a arquitetura da própria história da humanidade”.

Conforme foi apontado, os traços da família estão sendo definidos seguindo os anseios da sociedade que vive diante de múltiplos costumes, inovações e mutações com a particularidade e contradição de atender ao momento que corresponde à ordem do presente.


Em meio a divergências discutidas no âmbito das sociedades por quotas de responsabilidade limitada e à grandeza do tema proposto, notadamente envolvendo as relações entre a sociedade, a afetividade dos sócios e os terceiros envolvidos, possui inúmeros pontos de intersecção, haja vista a delicadeza do vínculo entre eles.


Tratando do Direito de Família, deve-se considerar uma de suas mais evidentes características o fato de ser contingente como a própria vida, impossível de ser considerado estático, imóvel, seguindo e acompanhando a história do ser humano. A ciência jurídica, portanto, avança conforme a dinâmica da sociedade.


A família e as questões que importam para ela sempre foram relevantes, e a história da humanidade revela que há uma interligação que chega a confundir a história da família com a própria história da civilização. Portanto, conhecer o perfil das modificações na esfera familiar é refletir os impactos no direito empresarial, notadamente em relação à afetividade dos quotistas.


A evolução por que passa a família na modernidade exige uma reflexão sobre o papel da afetividade. Não podem ser mais aceitos conceitos decorrentes somente do modelo tradicional e cristalizado de família — como o modelo patriarcal —, tendo o pai como a figura central, na companhia da mulher e dos filhos. A família ocidental apresenta-se com um formato mais democrático e plural. Com isso, é necessário ousadia para aceitar formas familiares que possam corresponder à realidade e os seus efeitos na ordem jurídica nas empresas familiares.

A importância das empresas familiares é fato notório no nosso ordenamento jurídico. Harmonizar a afetividade entre os quotistas é administrar com razão, do ponto de vista de gestão organizacional é colocar em prática decisões com objetivos e recursos, para a sobrevivência entre as gerações.


Sobre as autoras:


* Rose Giacomin[1], é sócia do escritório de advocacia Abras & Guimarães e gestora nacional dos cursos de direito, Kroton. Em sua trajetória profissional ajuda os empresários a perpetuarem seu negócio jurídico. É mestre em Direito Empresarial pela Milton Campus em Minas Gerais e com ampla experiência escreveu vários de diversos artigos sobre o tema. E-mail: diretorjuridico@rosegiacomin.com.br


* Sofia Rabelo[2], Doutora em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora universitária e advogada de direito de família, sucessões e infância e juventude desde 1999. Trabalha com as relações parentais e conjugais, recomposição da família na contemporaneidade, afetividade, guarda de filhos, dissolução de sociedade conjugal, planejamento sucessório e intervenção mínima do Estado nas relações familiares. E-mail: sofiarabelo@hotmail.com

[1] Rose Giacomin em sua atuação social colabora como Membro ou no Conselho: da Asociación Argentina de Justicia Constitucional do Instituto de Estudios Politicos y del Estado, da Comissão de Educação Jurídica na OAB/MG e do Conselho Empresarial em Educação da ACMINAS, Instituto IBC. Editora-chefe da Revista da Academia Brasileira de Direito Civil e membro do comitê avaliativo da Revista Síntese em Direito Empresarial da IOB.


[2] Sofia Rabelo, é segunda vice-presidente do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG), membro da International Society of Family Law (ISFL), da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC), da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPRO) e do Instituto IBC.

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[1] A Prússia foi uma poderosa nação europeia que dominou boa parte do centro do continente no século XIX. Suas raízes, porém, vêm da Idade Média, quando o país era habitado por caçadores e criadores de gado. Do século XIII em diante, a área caiu na mão de reinos germânicos, que impuseram costumes próprios e transformaram a Prússia em uma máquina de guerra. O auge dessa fera militar ocorreu em 1871, quando o ministro-presidente prussiano Otto von Bismarck liderou a unificação dos Estados de origem germânica para criar um novo país, o Império Alemão. Depois desse processo, a Prússia passou a ser um Estado dentro do Império Alemão, com constituição própria e relativa liberdade de decisão em relação ao governo central. Essa organização começaria a ruir com a derrota alemã na Primeira Guerra, em 1918. Na ressaca da surra, o Império Alemão tornou-se uma república - que depois ganhou o nome de Alemanha - e a Prússia perdeu território para países vizinhos. As dificuldades aumentaram na década de 30, quando Hitler chegou ao governo da Alemanha. Concentrando o poder em suas mãos, o ditador acabou com a autonomia administrativa da Prússia e meteu a Alemanha na Segunda Guerra (1939-1945). Por causa da nova derrota, os nazistas foram varridos do poder e a Alemanha passou por reestruturação. Na onda da reconstrução, a Prússia deu adeus ao mapa. Em 1947, o Estado foi oficialmente abolido, perdendo seu governador e sua representação parlamentar. http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-que-foi-a-prussia. Acesso em 20 de março de 2018.

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